sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Pássaros

Havia uma mulher que acreditava que sua vida não era real. A verdadeira é a que vivia nos sonhos. No exíguo jardim da casa de muros baixos, ela cultivava rosas amarelas. No varal dos fundos, se enlaçavam ao som da rádio AM, seu taierzinho azul marinho, as saias rodadas de bailão. De segunda à sábado, as folgas eram quinzenadas, vendia perfume num shopping no centro. Estava sempre exausta. O companheiro, entregador da rapi, a pegava de moto às dez. E dormiam enganchados numa cama de viúva, simbióticos, como um búfalo e um passaro. 


Sua casa dava para um resto de mata atlântica, de onde saiam pássaros
 que capturava na câmera do celular.

 Despertava no quarto ao lado do marido, célebre matemático, cuja apneia determinara a separação de corpos, não das almas, unanimemente discordantes. Chefiava um departamento no campus, era dos que traziam equações para casa.  Nessa outra vida, ela tinha dois adolescentes, altos, magros, lógicos, dos quais se fizera eficiente mãe sem desejo e vocação. Não eram duas, mas uma: o nome igual, a idade, o olho estrábico, mãe e pai comuns, ambos amados e mortos.  Só as vidas bifurcadas, a partir não sabia de quando nem por quê, ou o fato de aqui canhota, lá, destra. Incompleta, por sua vez, em dupla existência.

O relógio biológico emitindo ondas de alta frequência anos a fio, o marido desfuncional não captou. Na casa impecável, toda ao gosto do marido, de repente se sentia fora de lugar. O flagrante enjoo dos perfumes, e

Submersa na banheira, a, a emitir ecos, o escritório ao fundo restrito aos homens.

 Desconfiava que o marido tinha uma amante virtual. O companheiro disléxico sempre preso em maracutaias. A vida almiscarada resumia-se a pagar boletos e esperar o baile nos finais de semana, se calhasse, o sol em Praia Grande. O jantar burocrático a dois num restaurante fino sem paixão. Os garotos programaram 232 canais na tv a cabo, e comunicaram o intercâmbio no Canadá para dali a uma semana. A memória de uma, na outra. Na dupla jornada da existência, qual a vida real? Qual o sonho?

Resolveu buscar apoio profissional.
O psiquiatra a peso de ouro e o recém formado que atendia no SUS unânimes na prescrição de sedativos. Entorpecida, vagava o dia entre dois mundos. 

Descrente do zodíaco, consultou uma cartomante. O carro, a roda da fortuna, o valete, a estrela. Despachou os filhos para Montreal.  Rompeu a união com anúncio dume que tinha comprou uma Canon 60d e saiu fotografar pássaros no Jardim Botânico. Um ornitologo profissional curtiu seu Instagram e começaram a trocar mensagens. 



Na mostra dos classicos de DePalma de cinema reviu Vestida para matar. mante. Na Pinacoteca do Estado, nada que a atraísse. 
.



Deu um basta no eterno noivado, as contas na perfumaria, raspou poupança e embarcou 






à espera de condições ideais, as inúteis ovulações na hipótese sempre adiada de um bebê. Estava 









A memória de uma, na outra, embaralhavam-se, sem se concluir qual a existência real? A consulta no analista revirando ainda mais as cartas: que outra coisa fazer se não tornar ambas as vidas mais reais.

 sem sentido na casa s filhos que não careciam mais dela. A flagrante fragrânciasO almiscarado 


















Despertava nos longos braços de Paloma. Foram amigas, antes de se entenderem almas gêmeas. Os filhos frutos de uma dupla gravidez, nasceram com os olhos verdes do doador comum. Infernizavam a vida das mães





 almas bipartidas compactuado um mesmo ser

Atavicas

num amor disléxico que beirava à maternidade, 

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