sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Dança

Havia um homem do apartamento ao lado que dançava balé. Era casado e tinha uma esposa, também bailarina. A filha de quatro anos, com saia tutu eles exibiam no elevador, além de um enlaçar de bracos, entrecruzar de olhos e roçar de lábios que não deixava dúvida de que eram de fato apaixonados. Isso espantava a todos a quem sapatilhas e colãs eram inerentes de homossexuais. Confinados na pandemia, davam piruetas que faziam tremer lustres no 409. Não adiantava exigir que andassem na ponta dos pés. As meninas encantadas com a vizinha frozen, as mães mortificadas por seu corpo macérrimo. Ninguém ali nunca estivera num balé e os odiavam. Ligavam O lago do cisne e grasnavam reclamações. Ele descia com máscara, malha ou shorts curtíssimos, porteiros e vadios faziam piadas. Reservaram então o salão de festas interditado a aglomerações. Ele e a esposa ensaiavam lá. As crianças podiam assistí-los seguros a distância. O gêmeos do seu Acácio paralisados, as bocas abertas em uníssono silêncio. O pai não queria nada daquilo. A mãe só fazia chorar. Os meninos, que eram ambos, enfrentaram a todos, apaixonados. Eram péssimos em matemática, física, biologia. Nenhum gosto por carros, que seria da oficina mecânica? O pai não deixava. Bateu neles. O casal em rodopio, imbatíveis no plie, no padedeux. Se fosse tango, foxtrote, forro, aceitável, aquele pacote de sexo entre as pernas. Os meninos faziam par no quarto. O pai quebraria ambos na porrada. 

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