segunda-feira, 22 de junho de 2020

SHINIGAMI


Havia um homem que há 67 dias conversava com plantas. Acima do peso, era cardíaco, a asma não ajudava. Antes, a quitinete na Liberdade só servia para dormir. O espírito da amada esposa assombrava suas noites no apartamento antigo. Levado ao psiquiatra pela filha única, o tarja-preta a exorcizara. Os bonsais, a rosa de pedra e o lírio da paz foram presentes da filha antes da mudança para o Japão. Nem sempre conseguia conexão na rede antiga para falar com ela, nem sabia sintonizar a rádio Nikkey. Sentia falta da praça, dos companheiros de Go, de comer doce de feijão. Conversar com as plantas foi conselho da filha. Na última vez que se falaram, há um mês, ela disfarçava a tosse atrás da máscara salmão. Um rapaz do 171 se ofereceu para comprar Ramen e até hoje não voltou. Com ele, foi-se a receita dos comprimidos que sumiam na palma da mão. Desde que acordou esta manhã não consegue parar de chorar. Tentou consolar-se com as plantas, mas elas lhe dizem coisas duras demais.

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