segunda-feira, 22 de junho de 2020

SEMENTE


Havia uma mulher que encontrou um caroço no seio. A mãe havia morrido de câncer assim como a tia que a criara. Vivia sozinha num quarto-e-cozinha pago com o trabalho num RH. O namorado vinha dormir com ela do sábado para o domingo. Às quartas, quintas e finais de semana, nos dois primeiros anos de namoro. Às quintas e sábados, após o noivado, no duro ano do aborto. Agora cogitava quinzenar, por causa do curso de TI, que ela pagava metade. Não era um homem bonito, tampouco ela, mas faziam um belo casal.  Era apaixonada pelas mãos dele, que eram grandes, fortes, firmes, na medida para abarcar seus seios. Ele amava seus seios, que eram grandes, fortes, firmes feito mãos. Ela os sonhara ainda maiores, amamentando sem miséria o filho adiado que não morreria de câncer. Tinha 32 anos, esse noivado de sete anos, esse espelho em que se mira, a semente no seio, a sede de maternidade. Se grávida até agosto, o filho nasceria em Áries, primeiro neto de Graça. Calculou o espanto, a vergonha, a censura da sogra batista, a reparação para dali a dois meses da concepção em pecado, a entrega das chaves. A licença maternidade seria emendada com as férias. Convinha antecipar o restauro dos caninos. Voltaria amanhã mesmo o cabelo ao castanho natural. Amanhã não, no domingo, depois deste sábado quando Moisés conceberia Moisés: ele amava o louro falso do seu cabelo, longo, sem corte, tanto quanto seus seios, por enquanto intactos.  

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