segunda-feira, 19 de julho de 2021

Cinzas

Havia uma mulher que não enxergava cores.  Sua visão de mundo, entretanto, não se limitava a preto e branco, mas em complexas variações de gris. 

Rosa, amarelo, lilás eram indistintos, invariáveis o vermelho, o azul, o verde e o marrom, se restritos a um só tom. Acreditava em formas, volumes, texturas. As frutas, se não provadas, indefinidas, por isso, para ela o sabor era um dos atributos da verdade. Um admirador lhe dera flores, ela mostrou-se imune ao presente, à sua pele bronzeada, aos olhos que ela não sabia azuis. Certo e errado, bem e mal eram para ela conceitos inconcebíveis. Fúria e entusiasmo, similares no modo, por isso, de complexa apreensão. Placas, semáforos, sinais luminosos, uniformes, fachadas de led e neon, bancas de jornais e cinema 3d tudo lhe fundia horror, evidentemente inapta para o meio urbano. 

O arco-iris, um facho de luz entre terra e céu. A camuflagem, o dom da invisibilidade animal. O camaleão: um lagarto indecifrável. A zebra, um equino em retalhos.

Imune a maniqueísmos, achou-se completa no Direito. Sua percepção desencantada, estóica da existência a levou à juíza. A certeza opaca no julgar toda fundada na intencionalidade, nunca na intensidade dos atos. Suas sentenças eram precisas, apartadas do colorido das paixões. Não que fosse insensível ao amor e à arte. 

A poesia das fotografias de Cartier-Bresson, de Vivian Maier, de Sebastião Salgado,  dos filmes de Carl Dreyer e de Orson Welles. O teatro de sombras feito com as mãos. O amor de sua vida era uma acrobática gata siamesa a quem batizou Minerva.

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